Do meu Facebook: Paulo Raimundo Pereira Santos
Garotas de programa, Facebook e a grávida no Metrô
Paulo Raimundo Pereira Santos
Dezembro no Rio é o mês do alvoroço. São 21 horas no horário brasileiro de verão. Saio do jornal, na Cinelândia. Décimo andar de um velho edifício em frente ao Quartel-General da Polícia Militar. A região tem histórias. Sempre que chego ao térreo, na Rua Evaristo da Veiga, lembro que o quartel da PM foi presídio e inspiração para o filme “Memória do Cárcere”, baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos. Inevitável relembrar a cena antológica na ala feminina do presídio: as presas políticas, comunistas, cantarolam a marchinha de Noel Rosa que fez sucesso em 1933 (https://www.youtube.com/ watch?v=v5cPkN4sVIQ): “O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu/e também vão sumindo, as estrelas lá do céu/Tenho passado tão mal/A minha cama é uma folha de jornal...”. A ala masculina escuta e faz coro.
No sétimo andar a porta se abre e cinco mulheres maquiadas e perfumadas, invadem o elevador. Falam todas ao mesmo tempo com um "smartphone" à mão. Discutem em voz alta as postagens no Facebook. A mais jovem, na faixa dos 18 anos, tecla freneticamente, quase no meu rosto. A mulher mais velha diz que “isso não pode postar. 'Ele' não deixa”. Pelos trajes curtos, as pernas de fora e os seios quase à mostra e pelo bate-papo, - estou dentro de um "chat" -, percebo que são garotas de programa de uma “sauna”, no sétimo andar. 'Ele', deve ser o cafetão, um PM talvez, um delegado de polícia, quem vai saber.
Naqueles segundos, viajando no elevador, pensei como a famosa e popular rede de relacionamento, o facebook, atinge a todos indiscriminadamente. Da freira no convento às meninas de um bordel na Cinelândia. E tudo é “Público”, sem os cuidados, expondo a alma alegremente, como se expõe a carne, imaginando-se como uma famosa "BBB", estrela do Facebook, à mercê de curiosos e “voyeurs”, tarados e bandidos, entre as muitas curtidas e compartilhamentos dos amigos e parentes, tudo misturado, não pelos quinze minutos de fama, mas por segundos de uma 'curtida'.
Chegamos ao térreo. Eu e as garotas de programa. Elas seguiram na direção da boemia da Lapa. Me dirigi ao Metrô. Meu pensamento se concentrava no telefonema de minha esposa, que me avisara já estar em casa para cuidar de nosso filho. Sigo para o Maracanã.
Na estação Carioca, embarcam seis mulheres falantes e bem vestidas e suavemente perfumadas. A conversa delas gira em torno de colega, moça magrinha com os olhos bem vivos e escuros. Ela narra os percalços que passa por ser magra e estar grávida nos primeiros meses, nas filas de banco e nos carros do Metrô. Numa agência bancária, conta que entrou na fila reservada aos idosos, grávidas e deficientes físicos. Ao chegar à boca do caixa, o funcionário a interpela, perguntando “qual é a sua deficiência?” para estar naquela fila. A jovem grávida responde que “não tem deficiência”. “Estou grávida”, diz. O bancário duvida e mulher retira da bolsa o resultado do exame que comprova o seu estado de gestação. “Posso ter ficado grávida há uma hora e serei uma mulher grávida. Quero meus direitos!”, acrescenta, impaciente.
Em outra situação, ela conta que ao entrar no Metrô lotado, sentiu-se mal e sentou-se no chão. Uma mulher, no banco ao seu lado perguntou-lhe o que ela estava sentindo. “Cólicas! Estou grávida”. E logo, providenciam um assento prioritário, reservado às grávidas. Uma passageira que viajava em pé gritou em tom de sarcasmo: “Eu também estou grávida. Quero sentar!”. A futura mãe precisou tirar da bolsa o resultado do exame de gravidez para esfregar na cara da passageira irônica, que ficou desconcertada.
Em dois momentos distintos, num tempo muito próximo, estive envolvido por algumas mulheres que se mostraram em situações diferentes, um recorte de suas vidas. As primeiras, conectadas para o mundo da prostituição, curtiam e compartilhavam seus corpos, sem restrições e pudor a um clique no Instagram. As outras compartilhavam a experiência de ser mulher, a que dá a vida, a mãe.
Naquela noite, aquelas mulheres me tiraram o sono.
Paulo Raimundo Pereira Santos
Dezembro no Rio é o mês do alvoroço. São 21 horas no horário brasileiro de verão. Saio do jornal, na Cinelândia. Décimo andar de um velho edifício em frente ao Quartel-General da Polícia Militar. A região tem histórias. Sempre que chego ao térreo, na Rua Evaristo da Veiga, lembro que o quartel da PM foi presídio e inspiração para o filme “Memória do Cárcere”, baseado no livro homônimo de Graciliano Ramos. Inevitável relembrar a cena antológica na ala feminina do presídio: as presas políticas, comunistas, cantarolam a marchinha de Noel Rosa que fez sucesso em 1933 (https://www.youtube.com/
No sétimo andar a porta se abre e cinco mulheres maquiadas e perfumadas, invadem o elevador. Falam todas ao mesmo tempo com um "smartphone" à mão. Discutem em voz alta as postagens no Facebook. A mais jovem, na faixa dos 18 anos, tecla freneticamente, quase no meu rosto. A mulher mais velha diz que “isso não pode postar. 'Ele' não deixa”. Pelos trajes curtos, as pernas de fora e os seios quase à mostra e pelo bate-papo, - estou dentro de um "chat" -, percebo que são garotas de programa de uma “sauna”, no sétimo andar. 'Ele', deve ser o cafetão, um PM talvez, um delegado de polícia, quem vai saber.
Naqueles segundos, viajando no elevador, pensei como a famosa e popular rede de relacionamento, o facebook, atinge a todos indiscriminadamente. Da freira no convento às meninas de um bordel na Cinelândia. E tudo é “Público”, sem os cuidados, expondo a alma alegremente, como se expõe a carne, imaginando-se como uma famosa "BBB", estrela do Facebook, à mercê de curiosos e “voyeurs”, tarados e bandidos, entre as muitas curtidas e compartilhamentos dos amigos e parentes, tudo misturado, não pelos quinze minutos de fama, mas por segundos de uma 'curtida'.
Chegamos ao térreo. Eu e as garotas de programa. Elas seguiram na direção da boemia da Lapa. Me dirigi ao Metrô. Meu pensamento se concentrava no telefonema de minha esposa, que me avisara já estar em casa para cuidar de nosso filho. Sigo para o Maracanã.
Na estação Carioca, embarcam seis mulheres falantes e bem vestidas e suavemente perfumadas. A conversa delas gira em torno de colega, moça magrinha com os olhos bem vivos e escuros. Ela narra os percalços que passa por ser magra e estar grávida nos primeiros meses, nas filas de banco e nos carros do Metrô. Numa agência bancária, conta que entrou na fila reservada aos idosos, grávidas e deficientes físicos. Ao chegar à boca do caixa, o funcionário a interpela, perguntando “qual é a sua deficiência?” para estar naquela fila. A jovem grávida responde que “não tem deficiência”. “Estou grávida”, diz. O bancário duvida e mulher retira da bolsa o resultado do exame que comprova o seu estado de gestação. “Posso ter ficado grávida há uma hora e serei uma mulher grávida. Quero meus direitos!”, acrescenta, impaciente.
Em outra situação, ela conta que ao entrar no Metrô lotado, sentiu-se mal e sentou-se no chão. Uma mulher, no banco ao seu lado perguntou-lhe o que ela estava sentindo. “Cólicas! Estou grávida”. E logo, providenciam um assento prioritário, reservado às grávidas. Uma passageira que viajava em pé gritou em tom de sarcasmo: “Eu também estou grávida. Quero sentar!”. A futura mãe precisou tirar da bolsa o resultado do exame de gravidez para esfregar na cara da passageira irônica, que ficou desconcertada.
Em dois momentos distintos, num tempo muito próximo, estive envolvido por algumas mulheres que se mostraram em situações diferentes, um recorte de suas vidas. As primeiras, conectadas para o mundo da prostituição, curtiam e compartilhavam seus corpos, sem restrições e pudor a um clique no Instagram. As outras compartilhavam a experiência de ser mulher, a que dá a vida, a mãe.
Naquela noite, aquelas mulheres me tiraram o sono.